Pesquisa indica que fungo fatal para anfíbios surgiu no Brasil e aponta exportação de rã-touro como agravante

  • 17/11/2025
Pesquisa indica que fungo fatal para anfíbios surgiu no Brasil Uma pesquisa da Unicamp indica que a linhagem de um fungo que está provocando a morte em massa de mais de 500 espécies de anfíbios ao redor do mundo surgiu em território brasileiro e está sendo levada para outros países por meio da exportação de rãs-touro-americanas. ✍🏼 O resultado do estudo, liderado por pesquisadores do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas, foi publicado pela revista científica internacional Biological Conservation em outubro deste ano. 🐸 O assassino em série tem nome: fungo quitrídio, ou simplesmente Bd. Esse microrganismo é o causador da infecção quitridiomicose, doença que atinge a pele dos anfíbios aumentando a produção de queratina, o que compromete a respiração e o equilíbrio de líquidos, podendo levar à morte. ✅ Participe do canal do g1 Campinas no WhatsApp De acordo com a doutora em ecologia pela Unicamp Luísa Ribeiro, e uma das autoras do artigo, não há evidência de que o fungo possa causar qualquer impacto direto na saúde dos seres humanos, seja pelo contato ou pela ingestão, mas o assunto é importante porque a morte em massa dos anfíbios: provoca desequilíbrio ecológico, podendo levar à disseminação de doenças transmitidas por insetos, como a malária; afeta a produção de medicamentos que usam substâncias produzidas a partir desses animais como matéria-prima. "Desequilibra toda uma cadeia alimentar. Os anfíbios se alimentam de insetos, e por exemplo, teve um trabalho que mostrou que o declínio de anfíbios estava fazendo com que aumentasse a malária, porque [os anfíbios] estavam deixando de predar e de consumir os mosquitos que transmitiam a malária. Também tem alguns medicamentos que são desenvolvidos a partir de toxinas ou de alguma substância que é encontrada nos anfíbios", explica. ⚠️ A pesquisa destaca que o Brasil está entre os principais criadores e exportadores da rã-touro-americana no mundo – comercializada devido ao consumo de sua carne. Para Luísa, esse fator, aliado ao risco da doença para outros anfíbios, acende um alerta para a necessidade de um controle sanitário mais rigoroso no país para que minimize a disseminação do fungo (entenda mais abaixo). O g1 pediu e, até esta publicação, aguardava resposta do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) sobre o tema. Nesta reportagem você vai ver: Descobertas sobre a "cidadania" do fungo Como pesquisa com rãs de museu ajudou a desvendar a origem O que se sabe sobre as rotas de disseminação Como a exportação dá origem a híbridos mais fortes A ranicultura no Brasil e o alerta sanitário da pesquisa Pesquisa indica que fungo fatal para anfíbios surgiu no Brasil, e aponta exportação de rã-touro como agravante Acervo Pessoal/Luísa Ribeiro Disputa pela "cidadania" do fungo Luísa explica que a comunidade científica, inicialmente, apontava que o fungo quitrídio era uma espécie única e com apenas uma linhagem. Porém, nos últimos anos, pesquisadores identificaram variações genéticas em várias partes do mundo — incluindo a Bd-Brasil. A Bd-Brasil foi encontrada originalmente no país em 2012, mas a sua nacionalidade foi contestada em 2018 em um artigo publicado pela revista Science. Os cientistas, naquele momento, entenderam que a origem era indeterminada ou que pudesse, até mesmo, ser asiática. Por isso, genótipo precisou mudar de nome: passou a se chamar Bd-Asia-2/Bd-Brazil. "Quando saiu esse trabalho, a gente ficou com uma pulga atrás da orelha, falando: 'Não, sério, a BD-Brasil parece que tem muito aqui no Brasil, tem um registro ou dois nos Estados Unidos, agora, acho que quatro indivíduos na Península Coreana, e aqui no Brasil parece que tem mais.' Foi daí que surgiu a ideia de fazer o trabalho'" relembrou a Luísa. Pesquisa com rãs de museu 🕵🏼‍♀️ Para apontar a cidadania brasileira do Bd-Brasil, os biólogos tiveram que trabalhar também como historiadores: eles cruzaram dados genéticos e históricos de mais de dois séculos, analisando 2,2 mil espécimes de anfíbios preservados em museus de diferentes países, coletados entre 1815 e 2014. Além disso, os pesquisadores colocaram a "mão na massa" e realizaram a genotipagem do fungo em rãs criadas em fazendas brasileiras, e compararam os resultados com amostras de animais comercializados no exterior. Os pesquisadores descobriram que o primeiro registro de Bd-Brasil no país foi em 1916, data anterior à chegada das rãs-touro-americanas para cultivo em solo brasileiro — com o primeiro diagnóstico da doença na espécie disseminadora em 1935. E o que isso significa? 🤔 A disseminação do fungo é atribuída ao comércio e exportação da rã-touro-americana, que é cultivada em diversos países. Porém, a espécie foi trazida pela primeira vez ao Brasil em 1935 e, aqui, teria sido contaminada com o Bd-Brasil. Isso pode indicar que foi a exportação de origem brasileira que levou o fungo para outras regiões do mundo. Entenda: rã-touro-americana é resistente à infecção causada pelo Bd, mas funciona como um vetor silencioso. Ela pode carregar o fungo na pele e transmiti-lo a outras espécies. Por isso, o comércio e a exportação desse animal têm papel central na disseminação global da doença entre anfíbios, segundo a pesquisa. "A Bd-Brasil já estava aqui antes de ter sido importada no Brasil. Mas, depois, a gente fez exportação para os Estados Unidos, e tem algumas rotas que a gente traçou como possíveis rotas de disseminação da linhagem [...]. Então, esse de 1916 já estava publicado. Foi um registro de uma espécie nativa de sapo aqui do Brasil. Foi o primeiro registro de BD-Brasil aqui no Brasil", diz Luísa. Pesquisa descobre que fungo fatal para anfíbios surgiu no Brasil, e aponta exportação de rã-touro como agravante Acervo Pessoal/Luísa Ribeiro Rotas de disseminação Ao analisar rotas de exportação e importação, os pesquisadores identificaram 3.617 trajetos comerciais de carne de rã entre 48 países. O Brasil exportou diretamente para os Estados Unidos entre 1991 e 2009, e os norte-americanos repassaram animais e carne para a Coreia do Sul nos anos seguintes, locais onde a linhagem brasileira também foi detectada. Essa sequência indica que a dispersão global do Bd-Brazil partiu daqui. "A gente está dizendo que a linhagem Bd-Brasil se originou no Brasil e foi para lá [exterior], por causa do [nosso] comércio. E a gente está usando a rã-touro porque é a única espécie aqui no Brasil legalmente autorizada para exportação. Mas, ainda assim, os registros de comércio são não são muito fáceis de encontrar e, muitas vezes, acontece por baixo dos panos", diz a pesquisadora. Híbridos mais fortes Com a disseminação das linhagens de fungo pelo mundo, ocorre a hibridização: as linhagens distintas passam a se reproduzir e gerar híbridos, que são muito mais letais e violentos que a espécie original. Ou seja: no processo de exportação, o fungo acaba entrando em contato com outro de uma nacionalidade diferente. Nesse processo, eles se unem e viram algo pior e mais perigoso. Luísa aponta que a Bd-Brasil é uma espécie endêmica no país, e que não matava tanto. Entretanto, ela teve um híbrido com uma linhagem asiática, gerando uma mais forte. Pesquisa descobre que fungo fatal para anfíbios surgiu no Brasil, e aponta exportação de rã-touro como agravante Acervo Pessoal/Luísa Ribeiro Ranicultura no Brasil e o alerta sanitário O Brasil é um dos principais produtores de carne de rã no mundo. Em um levantamento realizado por Luisa em 2019, foram mapeadas 151 fazendas de rãs, com maior concentração nas regiões Sudeste e Sul. A pesquisa estimou que a atividade gerou cerca de US$ 1,9 milhão em carne naquele ano. A ranicultura é vista como uma alternativa sustentável à pecuária tradicional, pois emite menos gases de efeito estufa e consome menos recursos naturais. É aí que está um desafio importante, revelado pelo estudo: ➡️ o risco de disseminação de patógenos, como o próprio Bd, é elevado quando não há controle sanitário adequado nos criadouros. O uso de água do entorno sem tratamento e a alta densidade de animais nos tanques favorecem a infecção. Essas fazendas se dividem entre produção completa, criação inicial, crescimento e abate, compondo uma cadeia que movimenta economia. No entanto, o estudo da Unicamp reforça a urgência de medidas de biossegurança e fiscalização do comércio de rãs, tanto internas quanto internacionais, para evitar novas dispersões do fungo. "A produção de rã aqui no Brasil precisa ainda melhorar, precisa ter uma regulamentação, quanto a isso, que não tem dúvida. Eu falei desse trabalho que a gente fez em 2022, porque quando a gente começou a estudar a rã-toro, a gente nem tinha um registro oficial dos criadores. Então, ela se infecta, o fungo se reproduz, fica lá produzindo na pele dela, mas ela geralmente não morre. Ela não, ela tolera a infecção. Então, esse não é um problema para o produtor, porque ele nem percebe que as rãs estão doentes", finaliza. Pesquisa descobre que fungo fatal para anfíbios surgiu no Brasil, e aponta exportação de rã-touro como agravante Acervo Pessoal/Luísa Ribeiro VÍDEOS: Tudo sobre Campinas e região Veja mais notícias sobre a região na página do g1 Campinas

FONTE: https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2025/11/17/pesquisa-indica-que-fungo-fatal-para-anfibios-surgiu-no-brasil-e-aponta-exportacao-de-ra-touro-como-agravante.ghtml


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